Painéis discutem desafios da cooperação judiciária e reforçam a importância do diálogo entre instituições nacionais e estrangeiras

O diálogo entre tribunais, ministérios públicos e órgãos ambientais ganhou protagonismo, na quarta-feira (22), durante o Congresso Cooperação Judiciária Interinstitucional, na sede da Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (ESMAF), em Brasília (DF). Ao longo da tarde, quatro painéis temáticos mostraram como a cooperação judiciária é essencial para garantir mais eficiência, integração e efetividade na prestação jurisdicional.

O evento foi promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), em parceria com o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e a ESMAF, com o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) da Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (AJUFER) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Convenção da Haia

O primeiro painel tratou dos desafios práticos da aplicação da Convenção da Haia no Brasil e do papel dos juízos nacionais na interlocução com cortes estrangeiras. A coordenadora e palestrante desembargadora federal Daniele Maranhão (TRF1) destacou a importância do juiz de enlace na Convenção da Haia de 1980, figura responsável por garantir a comunicação entre jurisdições de diferentes países. “O juiz de enlace assegura a efetividade e a celeridade dos processos que envolvem crianças em disputas internacionais”, explicou.

Também participaram do painel os desembargadores federais Guilherme Calmon (TRF2) e Olindo Menezes (TRF1), que abordaram temas como cooperação jurídica e sequestro internacional de crianças. Segundo Guilherme Calmon, as convenções internacionais abrangem casos de transferência ilícita ou retenção indevida de menores. “O melhor interesse da criança é o seu retorno ao país de residência habitual e a manutenção do contato com ambos os genitores. As convenções preveem medidas que garantem soluções rápidas e eficazes, inclusive quanto às restrições ao retorno, quando necessário”, afirmou.

Olindo Menezes focou nos aspectos civis do sequestro internacional de crianças, previstos na Convenção da Haia e na Convenção da ONU: “São instrumentos essenciais para enfrentar essa realidade, sempre guiadas pelo princípio do melhor interesse da criança”.

Cooperação penal

O segundo debate abordou a cooperação judiciária em matéria penal, com foco nas redes de investigação patrimonial e nos tratados internacionais. A mesa foi conduzida pelo desembargador federal Néviton Guedes (TRF1) e contou com a participação do ministro Reynaldo Soares da Fonseca (STJ) e da subprocuradora-geral da República Raquel Dodge.

Na oportunidade, foi enfatizada a importância da interação entre o CNJ, o MPF e a Polícia Federal na tramitação de cartas rogatórias e ordens judiciais transnacionais, reforçando que a cooperação é a chave para o combate eficaz ao crime organizado. Para o desembargador Néviton Guedes,a cooperação, interna e internacional, é uma necessidade e não uma escolha diante da transnacionalização dos crimes. “Os problemas que vivenciamos hoje atravessam fronteiras, e as soluções não podem se limitar às soberanias nacionais”, afirmou.

Já o ministro Reynaldo Soares da Fonseca relacionou a cooperação jurídica internacional em matéria penal aos efeitos da globalização. “Nenhum Estado consegue enfrentar sozinho crimes como lavagem de dinheiro, corrupção e delitos cibernéticos. A cooperação internacional tornou-se ferramenta essencial da justiça penal moderna”, observou.

A subprocuradora-geral Raquel Dodge destacou a cooperação jurídica internacional como um instrumento de diplomacia jurídica, aproximando povos e sistemas de Justiça.“Em matéria penal, o Brasil evolui de instrumentos tradicionais para mecanismos mais céleres, como a transferência de jurisdição penal”, explicou.

Ambiental

A pauta ambiental ganhou destaque no painel III – Cooperação para a Proteção do Clima e da Amazônia, coordenado pelo desembargador federal Ney Bello (TRF1). A exposição teve a participação do procurador regional da República Vladimir Aras, da procuradora-geral federal Adriana Maia Venturini e do presidente substituto do Ibama, Jair Schmitt.

O desembargador Ney Bello elencou as dificuldades de execução de decisões judiciais em regiões transfronteiriças da Amazônia e defendeu maior integração entre os países. “A emissão de gases e os impactos ambientais não conhecem fronteiras. Nosso desafio é transformar uma legislação ambiental avançada em resultados efetivos”, ponderou.

O procurador Vladimir Aras abordou o direito ambiental internacional e a chamada tríplice crise global, mudanças climáticas, poluição e perda de biodiversidade.“Esses desafios exigem uma resposta coordenada da comunidade internacional. O direito ao meio ambiente saudável é, hoje, um direito humano reconhecido”, defendeu.

A procuradora-geral Adriana Maia Venturini comentou que a cooperação ambiental é uma oportunidade de reflexão e aprimoramento das práticas públicas.“Precisamos avaliar o que já foi feito e buscar soluções concretas para enfrentar um cenário cada vez mais preocupante”, afirmou.

Já o presidente substituto do Ibama, Jair Schmitt, falou sobre o papel do Brasil e do Ibama no combate ao desmatamento e na adaptação às mudanças climáticas, no contexto do Acordo de Paris. “O Brasil ocupa posição estratégica no esforço global de redução de gases de efeito estufa. Combater o desmatamento ilegal é fundamental para enfrentar a emergência climática”, destacou.

Direitos Humanos

Encerrando o ciclo de diálogos, o painel IV tratou da cooperação para a tutela dos direitos humanos no contexto do sistema interamericano. A mesa foi coordenada pela desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso (TRF1), com a participação da embaixadora Cláudia de Angelo Barbosa, diretora do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Itamaraty, do delegado federal Rogério Galloro e da secretária executiva da UMF/TRF1, delegada federal Suzane Paes Vasconcelos.

A desembargadora Maria do Carmo Cardoso apresentou um panorama sobre as Unidades e Grupos de Monitoramento e Fiscalização (UMF e GMF), destacando o papel da Justiça Federal na garantia dos direitos humanos, especialmente no sistema prisional. “As estruturas de monitoramento fortalecem o compromisso do Judiciário com a proteção da dignidade humana”, disse.

Em seguida, a embaixadora Cláudia de Angelo Barbosa discorreu sobre a atuação diplomática do Brasil no cumprimento das decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. “Cabe ao Itamaraty transformar as recomendações internacionais em políticas públicas, leis e medidas de reparação e memória às vítimas”, assegurou.

O delegado federal Rogério Galloro falou sobre a importância da cooperação policial internacional no âmbito da OEA, da Interpol e da Ameripol. “Uma boa cooperação se baseia em estrutura e confiança. Quase todas as investigações da Polícia Federal têm algum alinhamento internacional”, observou.

A delegada federal Suzane Paes Vasconcelos, por sua vez, apresentou experiências da UMF/TRF1, como o caso dos Quilombolas de Alcântara (MA), relacionado à demarcação de terras e à aplicação da Opinião Consultiva 23/17 da Corte Interamericana.“É um exemplo de justiça territorial, que reconhece a centralidade da terra como elemento de vida e dignidade coletiva”, concluiu.