TRF2 e Emarf iniciam curso sobre prevenção e combate à violência doméstica com participação do presidente do STF. Aulas vão até a sexta-feira, 27*

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) e a Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região (Emarf) deram início na quarta-feira (25/6) à programação do curso “Proteção da Mulher contra a Violência Doméstica, Defesa e Segurança Pessoal”. A iniciativa integra aulas teóricas e atividades de campo até a sexta-feira, 27 e está sendo promovida por meio do Grupo de Apoio e de Assistência às Magistradas e Servidoras em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TRF2.

A abertura contou com fala do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, que, na oportunidade, destacou que a discussão sobre o tema é obrigatória para o "avanço do processo civilizatório que confere às mulheres o devido protagonismo, ao tempo em que se fortalece o combate à discriminação por motivo de gênero".

Para ilustrar como vem se desenvolvendo esse processo evolutivo, o ministro lembrou que, no Código Civil de 1917 - reformado há apenas 23 anos - as mulheres eram tratadas como relativamente capazes: "Se fossem casadas, dependiam da concordância e autorização do marido para todos os atos da vida civil, desde assinar um contrato até abrir uma conta bancária. Essa dependência da mulher em relação ao marido só foi superada com o Estatuto da Mulher Casada, de 1962. Além disso, eram impedidas de votar até a vigência do Código Eleitoral de 1932", explicou.

"As questões de gênero constituem uma pauta desafiadora. Cabe a nós empurrar a história na direção certa, sobretudo no que se refere à violência doméstica. Tenho, portanto, muito prazer em abrir este evento promovido pela Justiça Federal da 2ª Região", concluiu Luís Roberto Barroso.

A mesa de abertura do evento foi presidida pelo diretor-geral da Emarf, desembargador federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, que endossou as palavras do presidente do Supremo, lamentando que, apesar de os esforços em direção à igualdade de gênero terem se originado há várias décadas, e virem recrutando cada vez mais agentes e instituições, "infelizmente ainda vivemos em uma realidade de constantes agressões aos direitos e à dignidade das mulheres".

Também compuseram a mesa o diretor de Cursos e Pesquisas da Emarf, desembargador federal Guilherme Couto de Castro, e a desembargadora federal Andréa Esmeraldo, que responde pela coordenação do curso “Proteção da Mulher contra a Violência Doméstica, Defesa e Segurança Pessoal”, juntamente com o juiz federal Vladimir Vitovsky.

Visita à Deam

Ainda na manhã do primeiro dia da ação de capacitação, antes da abertura oficial, Andréa Esmeraldo conduziu o grupo de 17 alunas do curso em uma visita à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), no Centro do Rio de Janeiro. Na unidade, elas puderam dialogar com a delegada titular, Alriam Miranda Fernandes, que apresentou as dependências da delegacia, falou sobre a rotina profissional, e respondeu a diversas perguntas das visitantes.

Ela explicou que as agressões de gênero se dão em diversas instâncias: física, psicológica, moral, patrimonial, econômica e outras. Ao descrever o perfil dos agressores, comentou que a violência doméstica atravessa todas as situações sociais, sendo cometida por homens com pouca instrução e com alto grau de escolaridade, com maior ou com inexpressivo poder aquisitivo: "Não tem cor, não tem idade, não tem limite", pontuou.

Lei Maria da Penha na prática e violência sem fronteiras

Já na programação de palestras da tarde, a primeira apresentação coube à desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Adriana Mello, que falou sobre política judiciária nacional de enfrentamento à violência contra mulheres, sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha e sobre protocolo de gênero no Direito Público.

Em sua exposição, a magistrada apresentou os principais programas do TJRJ dedicados a essa temática, como, dentre outros, o protocolo Violeta Laranja, implantado em 2021. O projeto criou uma articulação com a Polícia Civil visando tornar mais rápida e eficiente a efetivação de medidas protetivas de urgência em favor de mulheres e eventuais familiares em situação de extrema vulnerabilidade.

Com estudos e pesquisa de Doutorado direcionados à questão do feminicídio, a desembargadora lamentou a existência de lacunas na grade curricular do ensino jurídico quanto às violências de gênero. E destacou o papel articulador do Poder Judiciário, atuando na rede de enfrentamento à violência contra mulheres e crianças.

Na sequência, encerrando a agenda do primeiro dia do curso, o desembargador federal Guilherme Calmon falou sobre a atuação dos juízes de enlace nos casos de aplicação da Convenção da Haia sobre subtração internacional de crianças, de 1980. O magistrado é o coordenador da rede brasileira de juízes responsáveis pela interlocução dos judiciários dos países signatários do tratado multilateral, que define procedimentos para o retorno imediato de crianças removidas ou mantidas indevidamente fora do país de origem.

Durante a exposição, o desembargador apresentou conceitos sobre residência habitual, transferência e retenção, guarda, visitação e melhor interesse da criança. Ao discorrer sobre óbices ao retorno,  como o "risco grave quanto a danos e perigos de ordem física ou psíquica na criança", Calmon comentou que essa hipótese costuma ser comumente relacionada a casos de violência contra mulheres.

Considerando uma amostragem de 16 casos analisados na Seção Judiciária do Rio de Janeiro, no período da pandemia até meados de 2024, envolvendo pedidos de retorno de crianças, o magistrado relatou que 13 desses casos envolveram violência doméstica contra as mães: "Na maioria significativa dos casos, o genitor subtrator é a mãe brasileira vítima de violência, enquanto o genitor abandonado é o pai de outra nacionalidade - normalmente a mesma do Estado da residência habitual da criança".

*Em parceria com a Assessoria de Comunicação da SJRJ