Quilombo da Rasa: Justiça Federal fecha acordo para resolver caso que se arrasta há 20 anos *

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) deverá cumprir todas as etapas do plano de ação, se comprometendo a apresentar parecer e minuta de decreto até janeiro de 2026. O INCRA se propõe ainda a relacionar a lista das matrículas de propriedade que constam no processo para expedição de ofícios ao Registro Geral de Imóveis. O Ministério Público Federal (MPF) propõe a averbação de ação civil pública (ACP) no registro de imóveis no cadastro do IPTU, determinando a intimação do município de Búzios para fiscalizar a ocorrência de invasões e novas construções, além de não emitir licenças para novos loteamentos no território objeto da ACP.  

Esses foram os termos do acordo do MPF com a Advocacia Geral da União (AGU) e o INCRA, em audiência pública comandada pela juíza federal Mônica Lúcia do Nascimento Alcantara Botelho, titular da 1ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia. A audiência, realizada a partir de uma ação civil pública proposta pelo MPF, em 2023, teve como objetivo discutir o direito dos quilombolas à propriedade daquelas terras e reuniu, na tarde da última quinta-feira (19/09), no Mercado do Pescador, em Búzios, cerca de 100 pessoas da comunidade quilombola da Rasa.

Dra. Mônica Lúcia lembrou da demora nos processos de regularização fundiária. “A falta de dados, o desencontro de informações, o excesso de burocracia, tudo isso atrasa. Imagine se eu tivesse que mandar ofício para todos esses órgãos? Além disso, a dificuldade que as partes têm de se comunicar prejudicaria a todos”, afirmou. A magistrada destacou a relevância de o Judiciário fazer uma ponte nessas questões. “Procuramos trazer a comunidade para junto do Judiciário. Quando você facilita essa interlocução com uma audiência pública, há muito mais chances de resolver em menos tempo um problema que talvez não se conseguisse resolver como uma sentença”, disse.

O procurador da República Leandro Mitidieri, autor da ação, afirmou que o Estado do Rio de Janeiro é a região com mais terras quilombolas no Brasil, mas, por outro lado, só há uma terra titulada. “Essas demandas que o MPF ajuiza são para buscar uma interveniência do Judiciário, porque a questão, no âmbito do Executivo, não anda”, destacou Mitidieri. O procurador alertou para a demora. “Se continuarmos nesse ritmo, a regularização das terras quilombolas vai durar mais de 100 mil anos porque são 1.200 processos abertos. Essa audiência pública é muito bem recebida. Assim, chegamos a alguns acordos com essa nova gestão que, sem dúvida, mudou completamente o olhar”, ressaltou Mitidieri, lembrando sobre a importância de se aumentar o orçamento. “Chegamos a ter só 10 mil reais de verba para processos de reconhecimento de terras. Além do racismo estrutural, há agora a versão do racismo estrutural orçamentário,” alertou. 

Adriano Gonçalves, da Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo da Rasa, saiu da audiência com muita esperança. “Esse processo, que já dura 20 anos, é muito extenso, mas demos um grande passo. As pessoas que vieram aqui estão esperando essa titulação com muita expectativa. É um sonho de toda a comunidade”, declarou.

A superintendente regional do INCRA, Maria Lucia de Pontes, acredita que a audiência ajudou a desenrolar o processo de uma maneira mais rápida. “É um exemplo de como a Justiça pode ser efetiva e democrática. A magistrada pôde conhecer a complexidade desse território, um lugar com muito adensamento, muitas casas construídas. Existe uma especulação imobiliária grande que nos causa dificuldade para fazer regularização. É necessário que essa regularização seja rápida”. lembrou Maria Lucia.  

Também participaram da audiência, pelo INCRA, o superintendente regional substituto, Moacir Henrique Lima, os procuradores Sérgio de Britto Cunha Filho e Jailton Augusto Fernandes e as antropólogas Camila Midori Moreira e Elisa Ribeiro Álvares da Cunha; pela Fundação Cultural Palmares, o procurador Denilson Leal Carvalho e o servidor Alan Ferreira dos Anjos de Matos e pela Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo da Rasa, a defensora pública Shelley Duarte Maia. 

*Com a colaboração da assessoria de comunicação do TRF2.