“O desfecho mais favorável é que a solução se dê através do diálogo entre os pais", diz magistrada sobre o papel da mediação em casos de Subtração Internacional de Crianças

O drama é familiar, complexo, muitas vezes doloroso, e que depende de uma articulação internacional para ser resolvido. Casos envolvendo a remoção ou a permanência indevida de crianças fora de seu país de origem desafiam o Judiciário, mas, desde o início do ano, encontraram uma via mais rápida e cuidadosa para serem solucionados. 

O TRF2 e a SJRJ assinaram, em janeiro, um acordo de cooperação técnica com a Procuradoria-Geral da União (PGU) e a Procuradoria Regional da União da 2ª Região (PRU2), que prevê a resolução de casos de Subtração Internacional de Crianças de forma mais célere e humanizada, por meio de reclamação pré-processual ou mediação. O Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc-RJ) é o órgão que vem realizando os atendimentos de mediação humanizada. 

Considerada uma prática inovadora, a iniciativa passou a integrar o Portal de Boas Práticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e está concorrendo ao Prêmio “Conciliar é Legal”, atribuído pelo mesmo órgão. Em entrevista, a juíza federal coordenadora do Cejusc-RJ, dra. Karina de Oliveira e Silva Santiago, falou sobre como o trabalho de mediação especializada é desenvolvido na prática, os desafios enfrentados em casos desta natureza e a importância de uma abordagem mais humanizada para a proteção e bem-estar da criança. 

De que forma o Cejusc-Rio vai atuar nesse assunto tão sensível e delicado que é a Subtração Internacional de Crianças?

Dra. Karina de Oliveira e Silva Santiago: A mediação envolvendo Subtração Internacional de Crianças tem como base uma abordagem voltada para a escuta sensível do sofrimento familiar, através da atuação em equipe interdisciplinar, em espaço cuidadosamente preparado para o acolhimento das famílias (sala de mediação humanizada). As técnicas utilizadas no trabalho integram os modelos da mediação convencional e da mediação familiar. Busca-se através dessa prática a construção de um novo padrão de comunicação entre os genitores, o qual possibilite que resolvam em conjunto a situação de impasse relacionada à vida da criança. A mediação humanizada foi pensada para fazer face à complexidade dos conflitos familiares transfronteiriços expressos nos processos de Subtração Internacional de Crianças, tendo como foco a escuta dos sentimentos e buscando favorecer a transformação do padrão de relação entre as partes.

Como esse trabalho é feito na prática? 

Dra. Karina de Oliveira e Silva Santiago: O trabalho é realizado em dupla (co-mediação). Após o estudo das primeiras informações do processo, realizamos o planejamento da mediação, que sofrerá variações, conforme o caso. De modo geral, o trabalho segue as seguintes etapas: 1- Estudo prévio das informações processuais disponíveis; 2-Contato com os advogados das partes visando apresentar e explicar a proposta de trabalho; 3-Primeiras sessões de mediação, que normalmente ocorre com cada genitor em separado; 4-Mapeamento do conflito, avaliação da possível necessidade de suporte emocional especializado a algum dos genitores separadamente ou à criança; 5- Planejamento da mediação; 6- Sessões de mediação com ambos os genitores; 7- Audiência de mediação com fechamento dos termos de acordo.

Nos casos oriundos das Varas especializadas, a mediação ocorre através da parceria entre o Cejusc e as mediadoras especializadas das varas.

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Quais são os maiores desafios enfrentados pela conciliação em casos deste tipo?

Dra. Karina de Oliveira e Silva Santiago: Há um provérbio africano que diz que para se educar uma criança é preciso uma aldeia inteira. Diante dos casos de Subtração Internacional, temos diante de nós não somente uma criança, mas uma família que precisa de cuidado. Há um casal parental que não está conseguindo conversar e se entender em relação a uma questão crucial para o bom desenvolvimento de seu(ua) filho(a): o local de sua moradia, o que impacta diretamente na possibilidade de convívio com ambos os pais – direito fundamental de uma criança. Esse casal parental, portanto, precisa da ajuda de uma comunidade maior – no caso, o Estado, na figura do Judiciário – para desenvolver condições de cuidar adequadamente de sua criança.

Desde quando a situação se apresenta na ACAF (Autoridade Central Administrativa Federal) são várias as instâncias que podem estar envolvidas no percurso do processo: AGU (Advocacia Geral da União), varas especializadas, Ministério Público Federal, Cejusc-RJ, advogados das partes, consulados, polícia federal, órgãos do país de origem...e é fundamental que essas instâncias trabalhem conjuntamente e em harmonia. Para que a mediação possa, verdadeiramente, representar um espaço de confiança capaz de propiciar ao casal o espaço para uma conversa construtiva, não se pode prescindir de um bom entendimento entre todas as instâncias envolvidas no caso, cujas relações precedem e acompanham paralelamente toda a mediação. A mediação é a “ponta” e precisa dessa base de relações bem alicerçada. Um trabalho em equipe integrado e construtivo não se constrói através de portarias ou leis – elas são importantes e oferecem a fundamentação normativa, mas sabemos que não são suficientes para sustentar uma prática. O que viabiliza um contexto intra e interinstitucional que possa se constituir realmente como “rede de apoio” são as condutas e formas de se colocar nas relações com todos os atores envolvidos. O espírito de parceria, a horizontalidade nas relações intersetoriais, a conversa e o respeito aos espaços de cada um e uma postura de cooperação são pressupostos fundamentais para que possamos criar as condições necessárias para ajudar as partes em conflito a também construírem em sua relação co-parental um espaço de parceria apto ao diálogo sincero e construtivo.

Podemos elencar, ainda, outros desafios: o aspecto multicultural envolvido, que demanda um trabalho de estudo e especialização contínuo dos mediadores; dificuldades linguísticas, tendo em vista o caráter transnacional; necessidade de estabelecimento de cooperação jurídica e administrativa entre os diversos setores implicados. Quanto mais cedo a mediação entrar no caso, maiores serão as chances de sucesso.

O Cejusc-RJ vai capacitar sua equipe para atender a essa nova atribuição? Haverá necessidade de algum ajuste na dinâmica de trabalho?

Dra. Karina de Oliveira e Silva Santiago: A equipe do Cejusc-RJ conta com uma mediadora especializada em Subtração Internacional de Crianças e uma psicóloga que também tem formação como mediadora. Além disso, trabalhamos em co-mediação com as mediadoras das varas especializadas. Contamos com uma sala preparada para atender à família durante a mediação, com todo o material lúdico necessário para a realização de atendimento psicológico à criança, caso se faça necessário ao longo do percurso da mediação. A psicóloga também pode ser acionada para auxiliar o juiz na realização de perícia psicológica ou escuta especializada da criança.

Por que é importante trazer para a Conciliação os casos de subtração internacional de menores?

Dra. Karina de Oliveira e Silva Santiago: O desfecho mais favorável para a criança – aquele que protege seu bom desenvolvimento emocional e sua saúde integral – é que a solução do conflito se dê através do diálogo entre os pais. A mediação especializada é um potente instrumento para a construção do espaço de conversa entre os genitores em situação de conflito familiar transnacional. Quanto antes ela tiver início, melhor, pois os atos que se manifestam pelas partes no processo judicial, norteados pela lógica da disputa, tendem a contribuir para o aprofundamento e cristalização do conflito, tornando cada vez mais desafiadora a tentativa de solução dialogada. O reconhecimento da importância da mediação nas situações de Subtração Internacional de Crianças foi expresso, ainda, pela Conferência da Haia, que publicou, em 2012, o Guia de Boas Práticas para Processos de Haia sobre o tema da Mediação, como também foi firmado através da Resolução Nº 449 de 2022 do CNJ, que estabelece a mediação como uma das primeiras providências no percurso desse tipo de processo.

Com efeito, percebe-se que a via da sentença não oferece, na maioria dos casos, a solução mais adequada ao tipo de conflito que se expressa nesses processos – já que independente de quem ganhar a disputa pelo filho, a criança sempre vai perder. É preciso construir opções diferentes de resposta para fazer face ao nível de complexidade desse tipo de conflito, considerando que o afastamento de qualquer um dos genitores carrega um enorme potencial traumático para a criança. A dimensão de construção do diálogo que a mediação traz, especialmente no campo das relações familiares, contribui para a transformação do padrão relacional entre as partes em litígio e amplia as chances da viabilização de uma solução efetiva para o conflito envolvendo a criança.