TRF2
Adriano Pilatti, Camila Valadão, Ricardo Perlingeiro e Guilherme Calmon
Na manhã desta quarta-feira (31/07), no auditório do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro, o Seminário “Soluções Fundiárias na Justiça Federal da 2ª Região” tratou sobre a interação entre a CSF e instituições que lidam com os Direitos Humanos. O presidente do TRF2, desembargador federal Guilherme Calmon, abriu os trabalhos no último dia do evento, saudando o colega Ricardo Perlingeiro, coordenador da comissão. “A atuação da comissão tem sido tão intensa que já temos no tribunal 30 incidentes instaurados, todos eles com perspectiva de possível solução de consenso, pelo menos com remoções humanizadas”, elogiou o magistrado. Calmon destacou ainda que a presença de instituições no evento prova a importância do tema. “A presença da deputada Camila Valadão demonstra o caráter multisetorial que envolve o trabalho da comissão. Não adianta pensarmos em soluções sem a ajuda do Parlamento e dos Executivos”, ressaltou.
A deputada Camila Valadão, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, declarou que a comissão já é uma referência. A partir de debates e confluências podemos avançar nesse tema”, frisou a deputada. “A comissão traduz o que defendemos, um Judiciário mais aberto, um Judiciário que escute e que busque o diálogo”.
Em seguida, foi a vez do professor Adriano Pilatti, coordenador-geral do Grupo de Pesquisa e Extensão Terras e Lutas, vinculado ao Núcleo de Estudos Constitucionais da PUC-Rio. Pilatti lembrou o papel das universidades e do Poder Judiciário. “Temos um compromisso comum: lutar pelo interesse público”. Citando a Constituição, o professor afirmou que o Estado tem que priorizar o atendimento das necessidades dos brasileiros em matéria fundiária.
Na mesa seguinte, a professora Fernanda Maria da Costa Vieira, Co-coordenadora do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fernanda, parceira constante da comissão, lembrou que buscar soluções que não limitem a concessão de liminares é fundamental para a Democracia. “Os conflitos são complexos e demandam discussões complexas. Nós, na NAJUP, trabalhamos com ocupações e movimentos sociais e assim podemos interagir melhor com a comissão”, afirmou. Rachel Delmás Leoni, presidente da Comissão de Assuntos Fundiários e Habitacionais da OAB-RJ, contou experiências com a população vulnerável. “É um desafio aplicar o que achamos que sabemos para proteger direitos de pessoas que realmente precisam”, frisou. “Em nossos eventos, sempre fazemos debates com pessoas diretamente envolvidas nos fatos”. Rachel afirmou que esses contatos são importantes, porque “o advogado cria uma cultura da escuta, mas também adquire uma postura empática”, encerrou.

Rachel Delmás Leoni,, Ricardo Perlingeiro e Fernanda Maria da Costa Vieira
Casos concretos da CSF-TRF2
No início da tarde, houve a continuidade do Seminário de Soluções Fundiárias, em que o coordenador desembargador federal Ricardo Perlingeiro, presidente da Comissão de Soluções Fundiárias (CSF), apresentou os juízes federais da mesa e os casos concretos da CSF a serem apresentados, discorrendo sobre suas particularidades.
A magistrada Geraldine Vital foi a primeira a apresentar o incidente de Solução Fundiária em que atuou – o Caso Horto do Rio de Janeiro, que já dura 40 anos e envolve centenas de famílias moradoras da comunidade localizada na área do parque, na Zona Sul carioca. A história da comunidade remonta ao século 19, quando funcionários do Jardim Botânico tiveram autorização para construir as casas na área do parque que, então, era de difícil acesso. Os atuais moradores são descendentes desses antigos trabalhadores.
Ela ressaltou que “a análise desse conflito que envolve a comunidade do Horto e o Instituto Jardim Botânico revela uma complexa intersecção de interesses socioambientais, histórico e jurídico”. Segundo a magistrada, a visita técnica foi essencial para entender a particularidade do caso, pois, a partir daí, foi confirmado que se tratava de um litígio estrutural, de elevada complexidade. Além disso, possibilitou um diálogo entre os órgãos públicos envolvidos e os representantes da Associação de Moradores e Amigos do Horto. Ainda, falou sobre o grupo de trabalho técnico, indicado pela Presidência da República, que esteve presente no caso junto à CSF, com atuação multidisciplinar, corroborando para trabalhar por uma solução que vise equacionar os interesses comuns do Jardim Botânico e da comunidade do Horto, com o compromisso também de conservar a biodiversidade do local. Em seguida, Ricardo Perlingeiro abriu espaço para discussão acerca do caso, já que juízes que atuaram nessa causa estavam presentes no Auditório do TRF2.
Após, o juiz federal André Luiz Martins falou sobre o incidente que se refere a processos movidos pela União para reintegração de posse de imóveis construídos na Praia dos Gaegos, no bairro da Ilha do Governador. Os imóveis que se encontram em área administrada pelo Terceiro Comando Aéreo Regional da Aeronáutica teriam sido invadidos pelos réus há décadas. Segundo André Luiz, diante dos múltiplos interesses das partes, o trabalho da CSF consiste em alcançar um resultado possível, através da iniciativa de colocar os atores principais à mesa, para buscar uma solução que atenda às diferentes necessidades. Além disso, enfatizou a importância da visita técnica para conhecer a realidade do local e das pessoas envolvidas.
Em seguida, a juíza federal Andrea Daquer discorreu sobre o caso do Sítio Yaxuri, em Rio das Ostras. O processo foi ajuizado por um agricultor que, em 1997, foi assentado pelo Incra em um lote da fazenda, em procedimento de reforma agrária. Segundo ele, em 2004 suas terras foram ocupadas por diversas famílias, que permanecem no local. A visita dos membros da Comissão de Soluções Fundiárias teve início com uma reunião na Prefeitura de Rio das Ostras, conduzida pela relatora do incidente, com a participação dos juízes federais André Luiz Martins da Silva e Rogério Moreira Alves, também componentes da comissão, e do juiz federal Danilo Dias, juiz da causa na Subseção Judiciária de Macaé. Segundo a magistrada, a CSF “tem um posicionamento de escuta ativa às partes da causa”, pois através da visita técnica, as autoridades e partes envolvidas puderam ouvir os os anseios da comunidade que ali estava, historicamente, e precisava ter esse lugar de fala. Andrea conclui sua apresentação demonstrando a importância dessa etapa por dar voz a todas as partes envolvidas, principalmente, àquela de maior vulnerabilidade social, buscando, portanto, uma solução que leve em consideração o contexto econômico-social dos envolvidos.

André Luiz Martins, Andrea Daquer, Ricardo Perlingeiro e Geraldine Vital
Ainda, nesta quarta-feira, foi apresentado o caso de Conceição da Barra, no Espírito Santo, pela juíza federal Ana Carolina Vieira de Carvalho. Nesse incidente, a indústria de celulose e papel Suzano S/A ajuizou, em 2020, ação de reintegração de posse de uma área usada para plantio de eucalipto, em município que está localizado na divisa com a Bahia, em que figuram como réus os ocupantes do imóvel e, como seus assistentes, o INCRA e a Fundação Palmares, visto que há discussão acerca da existência de um quilombo na área em disputa. Na visita técnica, pode se conhecer melhor a complexidade do caso, onde se constatou crescimento rápido de construções irregulares e ações de grileiros. Nesse sentido, foi recomendado o cadastramento das comunidades quilombolas pelo INCRA, bem como solicitação de medidas relativas ao cadastramento dos ocupantes das terras pelas autoridades governamentais. Além disso, o resultado desse trabalho gerou uma ação positiva, com uma parceria da empresa com quilombolas para garantir a preservação da área.
Posteriormente, o juiz federal Eduardo Matta falou sobre o Caso Novo Horizonte, em Campos dos Goytacazes, em que o processo judicial teve início em 2021, quando 772 casas do empreendimento foram ocupadas por cerca de duas mil pessoas. A construtora que realizou as obras em parceria com a Caixa Econômica Federal pelo programa “Minha Casa, Minha Vida” é a autora da ação. A reintegração da posse dos imóveis havia sido deferida em liminar, mas a medida foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, até que o Poder Público promovesse a alocação dos ocupantes em abrigos ou lhes assegurasse moradia adequada.
Na visita técnica, o magistrado presenciou a situação de fragilidade social de muitas famílias que ali se instalaram, em sua maioria, mulheres e crianças, além de ter formalizado, em relatório da Comissão, a preocupação com a questão da insalubridade do local. Segundo ele, a Comissão tem uma função de apaziguadora, que “visa resolver questões levando em conta o interesse da parte e também o interesse socioeconômico das famílias envolvidas”. Sendo assim, caso não haja possibilidade de acordo, é preciso haver uma desocupação humanizada, o menos traumática possível. Pontuou, ainda, a necessidade de fomento de uma alternativa de moradia adequada para essas famílias carentes.
O último incidente a ser apresentado no seminário foi o Caso Quinta Lebrão, trazido pelo juiz federal Vigdor Teitel, sendo considerado o maior conflito fundiário do país já judicializado. Segundo Vigdor, esse incidente possui “grande relevância no campo de conflitos fundiários, devido à sua dimensão territorial e populacional”. A ação encaminhada à Comissão foi proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que pedia a desocupação de uma área de mais de 2 milhões de metros quadrados em Teresópolis, envolvendo as comunidades Quinta Lebrão, Fonte Santa e Álvaro Paná, consolidadas há mais de 50 anos. Para entender a dimensão dessa questão fundiária, foi realizada uma visita técnica em que se verificou, além da alta densidade populacional, o risco geológico em boa parte da área ocupada.
Diante disso, o magistrado ressaltou a necessidade de criação de um protocolo de intenções que pudesse dar encaminhamento eficiente na solução do problema. Esse protocolo, assinado entre a Prefeitura de Teresópolis, o INSS e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) tem como objetivo somar forças para promover a Regularização Fundiária, estabelecendo moradia e segurança às pessoas que habitam na região. Por fim, Vigdor Teitel elogiou o trabalho colaborativo de todos os entes envolvidos e concluiu sua exposição, afirmando que “a comissão conseguiu dar eficácia a dois fundamentos da Constituição Federal de 1988, a cidadania e a dignidade da pessoa humana”.

Ana Carolina Vieira de Carvalho, Vigdor Teitel, Ricardo Perlingeiro e Eduardo Matta
Ao final do evento, Ricardo Perlingeiro agradeceu todos os expositores e os participantes do Seminário de Soluções Fundiárias, sendo um momento de grande troca de experiências entre magistrados e servidores, atingindo, portanto, o objetivo do evento acerca da relevância de discussões sobre essa temática.
